quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Água e espiritualidade


Na sociedade utilitarista, a água é valorizada por suas possibilidades mercadológicas e para exploração comercial. Cientificidade e tecnicismo predominam. Adota-se uma abordagem pragmática e a água é percebida como um recurso a usar. A visão contemplativa é menosprezada no contexto do utilitarismo. Essa visão dominante difere do passado, quando ela era considerada sagrada. Ela tinha um conteúdo simbólico e havia encantamento em sua contemplação. Era importante cuidar dela e protegê-la diante da voracidade do uso e do consumo. Poetas, artistas e místicos preservam essa maneira de se relacionar com a água.
Realçar sua presença no cosmos ajuda a resgatar postura contemplativa, protetora em relação à agua. A ecologia cósmica ou universal estuda as inter-relações dos seres vivos entre si e com o meio ambiente cósmico. São conhecidas as influências dos campos gravitacionais da lua e do sol sobre os líquidos na terra. As marés, a seiva no interior das árvores, os ciclos menstruais nas mulheres são influenciados pela atração gravitacional dos corpos celestes. A água viaja pelo espaço nas caudas dos cometas e é aspergida sobre os corpos celestes que passam por suas orbitas. A panspermia os vê como espécies de espermatozoides cósmicos que fecundam os corpos celestes (óvulos) em seu caminho e ali criam as condições para florescer a vida. O cinturão de asteroides situado entre Marte e Júpiter e o cinturão de Kuiper nos confins do sistema solar são possíveis áreas de origem de agua para a terra. Mas toda a agua existente na terra é apenas uma gota que pingou do cosmos e a Terra é um oásis no sistema solar, no qual se encontram agua e condições para a vida. A escala cósmica do universo, com suas dimensões extraordinárias, induz a uma visão espiritual.  
Sua presença no corpo dos seres vivos é realçada pelo monge beneditino Marcelo Barros ao lembrar que “Somos parte integrante do ciclo global da água. Através do sangue, do líquido amniótico e de todos os fluidos do corpo, a água nos liga à Terra e ao Universo”.



No corpo humano há perda diária de água em condições normais:
      Respiração (durante a expiração) 0,4 litro
      Urina                    1,2 litro
      Transpiração        0,6 litro
      Evacuação          0,1 a 0,3 lt
      TOTAL-              2,5 litros 

Reposição por dia:
      Beber água           1,5 litro
      Ingerir alimentos 1,0 litro 
Do cosmos exterior ao universo interior do corpo, da água depende a vida e a saúde. No corpo de um recém  nascido a proporção de água é maior do que num idoso em vias de fazer sua passagem e que precisa hidratar-se constantemente.

A água foi sagrada em muitas civilizações e tradições, como origem, veículo e fonte de vida. Ela é símbolo de fertilidade e fecundidade. Tradições religiosas  reconhecem seus poderes purificadores e sagrados. O dicionário de símbolos de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant afirma que “A noção de águas primordiais, de oceano das origens, é quase universal.” Na tradição cristã o sopro e o espírito de Deus, no Gênesis, pairava sobre as águas, que está nas narrações sobre o dilúvio.

No batismo cristão a água purifica. Na Bíblia, os poços no deserto e as fontes que matam a sede são lugares de alegria e encantamento.  “Junto das fontes e dos poços acontecem os encontros essenciais. Como lugares sagrados, os pontos de água têm papel essencial: perto deles nasce o amor e os casamentos principiam.” (Dicionário dos Símbolos). 

Na tradição afro-brasileira, Iemanjá e Oxum são deuses das águas.

Da tradição indígena brasileira, Marcos Terena diz que, os povos indígenas, do nascimento à morte, se sentem, vivenciam e compreendem como partes da teia da vida - homem, animais, ecossistema, águas. “Os povos indígenas sempre soubemos o valor da água para beber, limpar a pele, higienizar. Sempre celebramos a chuva. Nunca ofendemos ao Grande Criador, alterando a velocidade, o volume ou a forma dos rios em nome do desenvolvimento e do progresso.”
 Na tradição hindu há rios sagrados, como o Ganges. A água é matéria prima: ‘tudo era água’.  Bramanda, o ovo do mu
ndo, é chocado à superfície das águas.
Na tradição muçulmana, no Alcorão, a água-benta que cai do céu é um dos signos divinos. A prece ritual não pode ser cumprida a não ser que aquele que ora se coloque em estado de pureza por meio da purificação pela água.

Na cultura romana, Afrodite nasceu da espuma do mar e Netuno é o deus romano dos oceanos.
Na Tradição Chinesa a água é instrumento da purificação ritual. “A natureza da água leva à pureza” (Wan-tse). “A água é o emblema da suprema virtude.” (Lao-tse, no Tao te Ching).  “A água é o símbolo da sabedoria taoísta, porque não tem obstáculos.”
A água, oposta ao fogo -yang, é yin, feminina.
Na Tradição Judaica, a água sensível é mãe e matriz.  Fonte de todas as coisas, ela simboliza o transcendente.
Para que ela seja melhor cuidada e percebida além de seus aspectos economicos, ecológicos e culturais, uma campanha procura revalorizar a dimensão espiritual da água, como mostra o vídeo. Aprender como ela se comporta e como supera obstáculos e flui pode trazer lições para a vida.