quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Ecologizar as crenças




Crenças existem. Acreditemos ou não nas crenças a ou b, gostemos delas ou não,  são dados da realidade.  Crenças legitimam e justificam atitudes e comportamentos. “Eu acredito nisso, portanto, me comporto assim ou assado”.
Agir em desacordo com a própria crença provoca desconforto, conflitos pessoais, sentimentos de culpa, dor na consciência.  Aqueles que acreditam, mas que não têm comportamentos coerentes com sua fé ou crença, sofrem de autocomplacência, perda de autoestima e de amor próprio, por não serem fortes o suficiente para alinhar sua prática com aquilo em que acreditam. Mahatma Gandhi disse que “Acreditar em algo e não o viver é desonesto”. A hipocrisia desconecta aquilo que se pensa e fala daquilo que se faz. “A teoria na prática é outra”; “faça o que eu digo e não o que eu faço” são frases populares que expressam esse tipo de desconexão.
No livro A biologia da crença, Bruce Lipton mostra como as células do corpo são influenciadas pelo pensamento e o mecanismo pelo qual elas recebem e processam as informações. A biologia da crença estuda a relação entre a vida, o ambiente, o pensamento, as percepções e os vários níveis de consciência. Crer, acreditar, move energias e motiva para o esforço, a obra e o projeto coletivo, um mito ou sonho que se transforma em realidade: “A fé remove montanhas”.
Crer ou não crer influem na consciência e nas ações decorrentes. Acreditar na eficácia da homeopatia ou da acupuntura ajuda a usar tais tratamentos e pode torná-los mais eficazes. Acreditar que comer carne é ruim para a saúde ou o ambiente ajuda a forjar hábitos alimentares vegetarianos. O fato de se acreditar e de agir coerentemente com tais crenças traz resultados ecologicamente amigáveis. As crenças constituem freios que colocam limites ao comportamento humano.  Quem crê na reencarnação pode cuidar melhor do ambiente por senso de auto interesse ampliado. Trata-se da solidariedade não apenas com as próximas gerações, mas para com as próximas reencarnações.
No campo ambiental, há interesses controversos em temas como energia nuclear, organismos geneticamente modificados, reciclagem de resíduos. O temor, o medo, a busca da segurança se encontram na raiz de posturas ambientalistas prudentes. A crença funciona, então, escudo de proteção contra riscos ecológicos e ameaças. O movimento contra os organismos geneticamente modificados se apoia no princípio da precaução e na prudência ecológica, considerando temerário apostar em novos produtos e processos cujos impactos não se conhecem bem. O movimento antinuclear se apoia no medo ao terror e ao lixo atômico. Entretanto, há controvérsias: o uso da energia nuclear, muito tempo execrado pelos ambientalistas, tem sido defendido por cientistas como James Lovelock, pelo fato de emitir poucos gases de efeito-estufa.
Há quem prefira não acreditar nas mudanças climáticas e na responsabilidade humana sobre elas. Assim, não se sentem compromissados a mudar hábitos e estilo de vida; não se sentem responsáveis pelo problema e por suas consequências danosas. O cético desobriga-se, perante sua própria consciência, de autolimitar suas atitudes predatórias; evita ter um drama de consciência. O ceticismo pode significar um apego ao conforto, uma forma de comodismo e de não desejar abrir mão de hábitos. Acreditar nas mudanças climáticas e crer que o ser humano tenha responsabilidade nesse campo ajuda a induzir atitudes ecologicamente responsáveis.
A crença pode ser uma forma de autoengano, de preferir negar ou não ver algo que para outros é evidente. A moral e a ética tendem a desaguar em uma pregação que pode ser enganadora, dogmática. A aceitação inquestionada, a fé sem verificação ou consideração da verdade científica e apoio em conhecimentos, levam a logros e descréditos. Crenças ecológicas desinformadas levam a equívocos. Boa vontade, boa fé e boas intenções desinformadas levam a atitudes e comportamentos aparentemente virtuosos, porém inócuos ou contraproducentes, além de pouco sábios. Corre-se a cada momento o risco de cometer equívocos, ter uma pseudoconsciência sem ciência, enganar-se por falta de embasamento. Uma crença pode vir a mostrar-se verdadeira ou falsa. Enquanto ela não é comprovada ou refutada, pode-se acreditar, ter fé e por ela pautar atitudes. Uma crença independentemente de mostrar-se verdadeira ou falsa, tem consequências práticas, ao influenciar comportamentos ecológicos ou antiecológicos.
Desconstruir, desmitificar crenças, desaprender, pode ser útil no caminho para a aproximação ao que seja mais verdadeiro. Ciência, informação abalizada e conhecimento técnico são necessários para evitar autoenganos bem intencionados.  
Num contexto de informações incompletas, como diferenciar o consumo consciente do consumo crente, ecoreligioso? Como ter conhecimento sobre temas especializados, que necessitam de formação, capacitação? Num contexto de especialização crescente, a confiança e a difusão responsável e sistemática de informações tornam-se necessárias, pois não é possível conhecer a fundo cada tema.
Atualmente há grande confiança na ciência e na tecnologia, sobre as quais são depositadas expectativas de que deem respostas verdadeiras e satisfatórias aos problemas causados pelas ações humanas. Por outro lado, segmentos da sociedade manifestam desconfiança nos cientistas e em sua capacidade de responder aos problemas; em parte porque, seres humanos falíveis, estão sujeitos a serem instrumentalizados por interesses econômicos. Nesse contexto, comportar-se a partir de bons padrões éticos e técnicos torna os cientistas confiáveis e lhes conferem credibilidade. Algumas controvérsias são alimentadas por quem tem interesses específicos, que se movimenta para fazer prevalecer um ponto de vista ou crença que o beneficie. Assim, por exemplo, uma empresa fabricante de papinha de nenê pode propagandear que o aleitamento materno não é tão importante assim, ou que é substituível sem problemas. Outro exemplo: o uso de papel reciclado pode reduzir o corte de árvores; mas sua produção exige usar mais água, mais químicos para tirar a tinta; seria ele ecologicamente mais amigável que o papel branco, quando se computam os custos logísticos, as distâncias percorridas e a emissão de gases de efeito-estufa durante o seu recolhimento?
Ecologizar as crenças é aplicar os conhecimentos das ciências ecológicas e a sabedoria da consciência ecológica àquilo em que se acredita. Ecologizar as crenças é uma forma de induzir mudanças de comportamentos e de conduzir a uma crescente ecologização da sociedade.


Nenhum comentário: