quarta-feira, 4 de maio de 2016

Árvores e conflitos



Em visita a Hiroshima, em 1986, nosso grupo de estudantes desejou plantar uma árvore no Parque da Paz, em homenagem aos mortos pela bomba atômica no dia 6 de agosto de 1945. Foi necessário pedir autorização na prefeitura, que determinou a espécie, o local em que deveria ser plantada, forneceu a muda de tamanho adequado e as ferramentas para o plantio. Pela primeira vez percebi que a gestão das árvores demandava cuidado técnico e científico.
A adequada arborização urbana e rodoviária exige conhecimentos de botânica, de engenharia florestal, de paisagismo, para que cumpra suas funções com segurança e beleza. Na ausência desses conhecimentos, ocorrem acidentes tais como a queda de árvores ou de galhos, com perdas de vida e perdas materiais e pode-se gerar um sem número de outros conflitos e  inconvenientes para os cidadãos.
Quando fui secretário de meio ambiente em Belo Horizonte, MG, a maior demanda dos cidadãos era pela poda de árvores em frente a suas casas. Os galhos invadiam as janelas, facilitavam assaltos a residências, conflitavam com a fiação elétrica, as raízes rompiam redes de água e esgoto e estouravam a pavimentação; as folhas entupiam as calhas e causavam goteiras. 

Em articulação com as administrações regionais,  realizamos o cadastramento, poda e plantio programado de árvores nas vias urbanas. Montamos um projeto, o Verde Vivo, com o objetivo de aprimorar os critérios e normas técnicas para poda e plantio de árvores e promover a harmonia na convivência entre árvores, pessoas e equipamentos urbanos. Foram cadastradas centenas de milhares de árvores, o que incluía seu endereço, espécie, diâmetro, copa, altura, condições do tronco, estado fitossanitário, sistema radicular, largura do passeio e recuo do imóvel, presença de rede elétrica, período de floração e de frutificação. Engenheiros florestais ou agrônomos definiam as espécies mais adequadas para serem plantadas e evitavam aquelas que produziriam conflitos com as condições locais. Empresas contratadas faziam o plantio e a poda. Uma auditoria aferia se os tipos de podas recomendados eram os executados, reduzindo a margem de irregularidades por parte das empresas prestadoras dos serviços, que recebiam efetivamente o preço justo contratado. Campanhas de comunicação na mídia e folhetos para os moradores proporcionaram o necessário apoio e a simpatia da população e reduziram os índices de perdas por vandalismo contra as mudas plantadas. Os galhos e folhas, resíduos da poda de árvores eram doados a associações de ação social, que distribuíam a receita em obras filantrópicas. Galhos finos e folhas resultantes da poda eram reutilizados visando à produção de energia e de composto orgânico, usado na fertilização dos próprios canteiros e jardins da cidade.
Na Praça da Liberdade restaurada na ocasião, encontramos árvores inapropriadas, como sapucaias, plantadas com as melhores intenções, mas com pouca avaliação dos seus impactos, pois crescem demasiadamente, tornando-se logo impróprias para aqueles locais. A partir de projetos de paisagismo aprovados no Conselho Municipal de Meio Ambiente, o Parque Municipal  foi remodelado, muitas árvores foram eliminadas e substituídas por outras.
Sistematizamos o conhecimento sobre os principais temas da gestão ambiental urbana numa série de Cadernos de Meio Ambiente, então publicados por meio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente. Um deles abordava a arborização urbana,  sua história e  funções, bem como a importância do planejamento. Também descrevia a estrutura de uma árvore, o planejamento da produção de mudas, do plantio, as espécies adequadas, a implantação de jardins e canteiros; o planejamento da poda, as causas da redução da cobertura vegetal e os problemas de saúde das árvores. Naquele caderno registramos o conhecimento sobre a arborização urbana e contribuímos para a educação ambiental.
Quando me mudei para Brasília, me impressionou positivamente a plenitude com que, nessa cidade, as árvores crescem em amplos espaços, o que reduz a necessidade de podas. Os acidentes com grandes árvores são raros, mas basta atropelar a periodicidade adequada e descuidar dos preceitos dos bons cuidados para, em pouco tempo, o mato e a galharia rebelde da vegetação urbana tomarem conta da cidade.
Historicamente no Brasil desmatador, árvore é desvalorizada como um estorvo: limpar o mato, campo limpo e campo sujo são expressões que denotam essa visão da árvore como sujeira, algo a ser removido. Arquitetura e urbanismo colonizados e que imitam países de clima temperado tampouco valorizam a vegetação. Poucos arquitetos e urbanistas conhecem e valorizam o paisagismo.
Há cidades com pouca vegetação nas vias públicas, mas com quintais preciosos que merecem ser preservados. Algumas cidades têm feito isso por meio de isenção de impostos municipais, que incentivam os proprietários a preservarem as árvores. 
A gestão ambiental é gestão de conflitos de interesses e um dos conflitos frequentes ocorre entre proprietários de terrenos que querem fazer empreendimentos imobiliários em terrenos com áreas verdes   com argumentos de que há interesse  social e grupos ambientalistas que priorizam proteger a vegetação ali existente e criar parques de uso publico e coletivo. A mediação de tais tipos de conflitos é parte integrante da gestão ambiental urbana. O aporte de conhecimentos técnicos pode ajudar a chegar a uma solução negociada, como ocorreu no parque da Mata das Borboletas, no Sion, onde as áreas no entorno de nascentes foram tecnicamente delimitadas, o que ajudou a definir a área que foi protegida.

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