domingo, 1 de maio de 2016

Ecologizar os espíritos das pessoas




Em 1998 publiquei o livro Ecologizar, no qual abordava a ação ecológica, seus princípios métodos e instrumentos. No prefácio, intitulado Ecologia Cósmica, Pierre Weil mencionou Sri Aurobindo e o federalismo mundial, pontos de contato que nos aproximaram intelectualmente:  “Quando conheci Maurício, um ideal comum nos ligou imediatamente, pois tanto ele quanto eu estávamos e estamos sonhando com um governo mundial e com a paz, fruto de uma ecologia interior ou da paz consigo mesmo, de uma ecologia social ou paz com os outros e de uma ecologia planetária, ou paz com a natureza.” “Concordo plenamente com ele quando insiste sobre o fato de que uma consciência planetária ainda é um ponto de vista antropocentrado, do mesmo modo que a consciência individual e a consciência social. É preciso despertar no homem a consciência cósmica, esta superconsciência da qual fala Sri Aurobindo, que Maurício muito admira e que muito o inspira. ”


Ecologizar, 1ª edição. Prefácio de Pierre Weil: Ecologia cósmica.
Conhecendo a importância da consciência humana, da noosfera e sua influência sobre as condições físicas e ambientais do planeta, pergunta-se: Como passar do pensamento e do discurso à ação? Ou seja, como ecologizar a ação humana?
Ecologizar é definido no dicionário Aulete como “Conscientizar para a importância dos princípios ecológicos”. Trata-se de uma definição centrada no pensar.
A Consciência ecológica é um modo de consciência que integra um indivíduo ou organização no meio ambiente; nessa sintonia, se compreende que o ambiente afeta o indivíduo ou a organização. Esse modo de consciência dissolve o que Pierre Weil chama a fantasia da separatividade: a ilusão de que somos separados do ambiente.
Uma definição mais abrangente e que valorize também a ação pode ser assim formulada: “Ecologizar é aplicar os conhecimentos das ciências ecológicas e da sabedoria da consciência ecológica às ações humanas”.
As práticas de alfabetização ecológica ou de ecoformação superam deficiências no conhecimento sobre as ecologias e sobre as relações ecológicas harmônicas (simbiose, comensalismo, mutualismo) -  e desarmônicas (predação, parasitismo, antibiose)  e dissolvem a Ecoalienação.  Ecoalfabetizar é conhecer o que são as ecologias; familiarizar-se com conceitos, relações e práticas ecológicas e compreender o impacto de hábitos e estilos de vida sobre o ambiente natural e social.
Tudo pode ser ecologizado.
Pode-se ecologizar o espírito, a noosfera, a consciência, o pensamento, o sentimento, o desejo, a crença, a palavra, a ação, a atitude, o comportamento, a cultura, a educação, o capital, a economia, a política.
Uma professora de crianças em Salta, na Argentina, fez um dicionário de verbos[1] e um dos que ela propôs para suas alunas foi o verbo Ecologizar. Ela coletou as seguintes definições infantis. Ecologizar é:
Pensar que no futuro não existiremos - Bernarda;
Usar a cabeça para proteger o meio ambiente – Lucia D.;
 Pensar que se algo ocorre com a Terra, também acontecerá com o homem - Micaela
Inventar uma “plantologia” e uma “animalogia” - Luciana;
Fazer de nosso mundo um lugar melhor - Maria Paula.
Sentir o meio ambiente em suas mãos e cuidar dele - Francisca;
Unir-se com a vida. Amar o mundo onde vives - Lucia S.;
Dar um grande abraço no planeta - Manuela.

Definição de ecologizar por crianças argentinas.
As definições dadas pelas crianças evidenciam a diversidade de visões de mundo despertadas por um verbo. Trata-se de um exemplo da noodiversidade: a diversidade de modos como se expressa a consciência humana. Ela é mais ampla do que a biodiversidade, pois a consciência é tão variada como as impressões digitais de cada indivíduo. Ela é mais ampla do que  a diversidade social e cultural, pois é fluida, mutante, impermanente, intercambiável, sofre influências e transformações constantes e tem a sua dinâmica própria. Além disso, ela varia ao longo do tempo, com as variações na atenção, na concentração da consciência, nos estados emocionais ou de humor, nos estados de consciência.Um mesmo indivíduo pode apresentar, ao longo de um único dia, variações de humor, de lucidez ou confusão mental, de estabilidade ou instabilidade emocional, de depressão ou euforia.
Somos quase sete bilhões de indivíduos no planeta. Diferentes estágios, modos e estados de consciência estão sendo vividos simultaneamente pelos bilhões de indivíduos e pelas diversas parcelas da humanidade – do astronauta à tribo isolada na Amazônia passando pelas populações urbanas, pelos operários urbanos, pelos   agricultores e demais grupos humanos.  Do mesmo modo como as espécies evoluem na biodiversidade, evolui a noodiversidade, a diversidade das consciências. Atualmente, as intensas interações, conexões, contatos e diálogos facilitados pelas tecnologias da comunicação e da informação e pelas redes sociais aceleram a sinergia entre ideias e a expansão da noodiversidade.  Aprende-se a partir do estágio, do estado e do modo de consciência em que cada um se encontra.  A consciência pode ser descondicionada em seus aspectos culturais e sociais.  A noodiversidade considera os vários estados de consciência – vigília, sono sonho, meditativo, êxtase.  Cada pessoa que se conecta numa rede social é um neurônio que atua na rede neural de um cérebro global planetário. É parte ativa da noosfera. Torna mais explícita e visível a noodiversidade humana.
A crise climática e ambiental que se agrava a olhos vistos demanda uma governança supranacional e uma unidade planetária. Mas simples mudanças de governo, e a superação dos estados-nação, podem gerar tiranias mais opressivas e governos mais injustos, caso não exista em paralelo, uma mudança qualitativa no ser humano, no sentido da ecologia interior, da ecologia profunda, das paisagens interiores, da noosfera. 
Para prevenir o colapso ecológico é preciso ecologizar os espíritos das pessoas.Constato, com Pierre Weil, que uma mudança estrutural do ser humano, da qualidade de suas atitudes e valores é fundamental. A ecologia interior, o inscape, a paisagem interior do ser humano precisa ser aprimorada. Para tanto é fundamental conhecer a natureza da mente.



[1] KATZ, Silvia. El pequeno ilustrado 3- dicionário verborrágico. Uma creación de los chicos del Taller Azul. Salta, Argentina, 2008.

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