quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Hidratar o urbanismo
















No mundo 3,5 bilhões de pessoas moram em cidades. No Brasil são mais de 160  milhões. Todas e cada uma delas precisam de água para viver. As atividades urbanas, tais como a indústria, o comércio, os serviços, os transportes precisam de água para funcionar. A água é um elemento fundamental para a vida urbana.
Durante muito tempo, no Brasil, a água foi considerada abundante e barata. No planejamento urbano não se deu valor a ela. Áreas de recarga dos mananciais de abastecimento foram ocupadas pelas cidades e mal cuidadas. Parte dos rios brasileiros está  poluída, especialmente por esgotos urbanos.  Os córregos, ribeirões e rios servem para o despejo de esgoto in natura e de lixo. Cada vez mais as cidades procuram  fontes  distantes para seu abastecimento, quando as mais próximas são poluídas ou se tornam insuficientes. Isso significa maiores custos para a sociedade e para os usuários das águas.
A disponibilidade total de água é reduzida devido à poluição.  Com o aumento da população e das atividades econômicas a oferta de água tende a decrescer, ao passo que a demanda cresce. Muitas cidades vivem situações de estresse hídrico. Rios  tornam-se invisíveis ao  serem canalizados, cobertos com pistas de rolamento para veículos.  É relevante realçar que é possível recuperar os rios e reintegra-los à paisagem urbana, como mostram várias experiências no mundo. ver  http://www.archdaily.com.br/br/01-168964/oito-exemplos-de-que-e-possivel-despoluir-os-rios-urbanos
Situação dramática ocorre nos lagos e lagoas urbanas sujeitas à ocupação urbana de suas bacias hidrográficas, ao assoreamento, à proliferação de algas,  à mortandade de peixes e que tornam-se criadouros de mosquitos e exalam mau cheiro. As lagoas da Pampulha em Belo Horizonte, Rodrigo de Freitas no Rio de Janeiro, Lagoa da Conceição em Florianópolis, Mundaú e Manguaba em Maceió, o Lago do Paranoá em Brasília, as represas Billings e Gurapiranga em São Paulo, a Lagoa do Abaeté em Salvador apresentam vários desses problemas e demandam cuidados especiais.
Pampulha. Belo Horizonte.
Lagoa Rodrigo de Freitas - Rio de Janeiro.
Com as mudanças climáticas e as ilhas de calor sobre as cidades, as chuvas fortes tendem a ser mais frequentes e intensas; com a impermeabilização crescente do solo nas bacias, por cimento, asfalto etc, as enxurradas tendem a ser cada vez mais intensas e frequentes. O risco de rupturas desastrosas nos córregos e ribeirões encaixotados tende a
aumentar. Ver  https://www.facebook.com/PortalUAI/videos/905819572846698/?pnref=story 
Sistemas de alerta para interditar tráfego em períodos de pico de cheia passam a ser
necessários nos fundos de vales já ocupados.
 Encostas íngremes e fundos de vales sujeitos a riscos foram ocupados. As cidades deram as costas à água. O planejamento urbano se hidroalienou e desconhece o ciclo da água.
A água se torna assunto  de urbanistas e planejadores quando começa a faltar ou quando seu excesso causa inundações nas cidades. Então, toma-se consciência de sua importância. Desperta-se para a necessidade de cuidar bem dela, preservá-la e proteger as fontes de abastecimento.
Esse tema torna-se  relevante no contexto atual em que os padrões climáticos estão mudando. A regularidade que as séries estacionárias de chuva mostravam não reflete os padrões atuais. O abastecimento de água para as cidades não pode ficar à mercê da perspectiva de chuvas que podem não acontecer. Para dar segurança hídrica às cidades precisa haver previsões realistas de qual é a oferta de água futura. Também é necessária a gestão da demanda, com controle de perdas e de
desperdícios de agua. Para prevenir emergências e riscos de se ficar sem água devem-se fixar metas para os estoques de água para o final dos períodos chuvosos e adequar a demanda a tais metas.
Fazendo um paralelo com a saúde humana, antes de se recorrer a uma intervenção cirúrgica invasiva, cara e com possíveis sequelas, é mais econômico e natural prevenir que a doença se agrave e lidar com ela por meios menos agressivos.
A preservação dos aquíferos existentes que estocam água de modo natural no subsolo, bem como a recomposição vegetal de nascentes são ações geralmente mais baratas do que as intervenções por meio de obras de infraestrutura. Uma combinação desses modos de atuar, maximizando os cuidados naturais e praticando intervenções em casos nos quais elas sejam inevitáveis  pode contribuir para a saúde hídrica e ambiental.
A água resulta do que ocorre na bacia hidrográfica em que se encontra. De acordo com a Constituição Brasileira, os municípios dispõem de competência para cuidar do uso e ocupação do solo urbano, suburbano e rural. Eles atuam por meio de planos diretores, leis orgânicas municipais, leis de uso e ocupação do solo, de loteamento ou parcelamento. Também podem fazê-lo por meio da criação e implantação de unidades de conservação. A produção e distribuição de água envolve o uso do solo rural, onde ela é produzida e o uso do solo urbano, onde flui e é devolvida ao ambiente natural. Nos
planos diretores, leis de uso e ocupação do solo e programas de expansão urbana, é relevante reservar áreas de recarga de aquíferos e de proteção de mananciais. Estocar e reservar água no subsolo e proteger mananciais são facilitados por meio de um processo de ocupação do solo que tome consciência da água.
É possível induzir comportamentos hidroconscientes  dos municípios  por meio de incentivos econômicos. Leis estaduais de ICMS ecológico estimularam municípios a priorizarem a criação e a manutenção de unidades de conservação (agenda verde), bem como o licenciamento de aterros sanitários e usinas de lixo (agenda marrom). Incentivos similares podem ser estendidos a municípios que disponham de plano de ordenamento territorial  que considerem a gestão das águas superficiais e subterrâneas, a drenagem e a recarga de aquíferos (agenda azul).
No campo da educação, as escolas de urbanismo precisam superar sua hidroalienação e hidratar seu ensino. Cresce no mundo o movimento pelas cidades sensíveis à agua, que tomam consciência dela, conhecem melhor seu ciclo, como geri-lo e planejá-lo.
Desenvolvem-se tecnologias para economizá-la. Na Austrália, país severamente afetado por escassez de aguas, uma universidade criou um centro  de cidades sensíveis à água.
http://watersensitivecities.org.au/about-the-crc/ 
A hidroconsciência dos cidadãos, despertada quando sentem na pele o drama da falta de água ou seu excesso durante as inundações, é importante para influenciar as prioridades dos governos. Para que os municípios atuem de modo responsável para com a água, é necessário hidroalfabetizar políticos e administradores, além dos próprios engenheiros e urbanistas hidroalienados.
 

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